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O que as Ocupações revelam sobre a gestão Haddad

Parte 2 – A gestão Haddad e os Movimentos Sociais

A cada nova gestão municipal a hegemonia das grandes empresas é aperfeiçoada. Já faz um tempo analisamos, junto com os companheiros e as companheiras do Pela Moradia, do Rio de Janeiro, a relação entre duas das principais facetas das administrações públicas de São Paulo e do Rio de Janeiro: a sua militarização e a sua consolidação como um balcão de negócios (leia em https://redeextremosul.wordpress.com/2011/10/17/conjuntura-6/ e https://redeextremosul.wordpress.com/2011/10/25/conjuntura-7/). Ao retomar essa discussão hoje, à luz da gestão Haddad, a novidade não estaria na capacidade da Prefeitura em transferir renda para as elites empresariais e garantir a elas cada vez maiores lucros e rendimentos, mas sim em garantir o apoio de forças que até pouco tempo se diziam contrárias a esse processo.

Vamos nos limitar aqui à discussão da habitação, para não alongar demais a prosa. Apesar de acenar com promessas de construção de moradias populares, denunciamos na primeira parte deste texto que os haddad e malufmétodos e os interesses da atual administração municipal são os mesmos que o da administração anterior, e que importantes “quadros” da gestão anterior mantiveram seus cargos na gestão atual. Haddad nem mesmo nomeou um secretário de habitação indicado pelos movimentos sociais, e sim pelo Paulo Maluf, que de grande inimigo do PT, se tornou um aliado fiel. Mudou ele, ou mudou o PT?

Questões existenciais à parte, em resumo, foram duas coisas que a gestão Haddad introduziu como novidade, em relação à administração anterior. Em primeiro lugar, foi a ideia de conciliação de classes, de que ricos e pobres compartilham dos mesmos objetivos, e que todos devemos dar as mãos e seguir juntos. Só não falam qual o rumo que tomaremos, pois este é um rumo trágico.

Por que essa ideia de conciliação de classes é uma farsa e uma tragédia? Pois a essência vital das elites é o dinheiro, o lucro. E qual é a fonte do lucro, cuja busca incansável emcmv... sem limites move esse sistema podre, que nos escraviza? A resposta, que é óbvia, mas é sempre mascarada, é uma só: a exploração do trabalho. É por isso que “quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro”, como diz a sabedoria popular. Assim, se a fonte do lucro é a exploração e a opressão que sofremos, então os interesses dos empresários e os nossos interesses estão em conflito.

Na questão da moradia isso fica muito evidente: para nós interessa uma casa espaçosa, feita com materiais de boa qualidade, que nos garanta privacidade e conforto. Além disso, queremos que no lugar onde moramos existam áreas de lazer, infraestrutura, um bom sistema de transporte e por aí vai. Para a empreiteira do “Minha Casa, Minha Vida” o que interessa é o oposto: ela quer ganhar dinheiro, e por isso interessa a ela jogar o maior número possível de pessoas no menor espaço possível, para economizar materiais e diminuir o tamanho do terreno necessário para fazer as moradias. Se isso não bastasse, interessa à empreiteira utilizar o material de pior qualidade, e pagar os salários mais baixos para seus funcionários, de modo a reduzir ainda mais seus custos.

Ou seja, para nós interessa uma moradia digna, num bairro bem estruturado, e para a empreiteira interessa fazer uma favela verticalizada. Os interesses das elites são opostos aos interesses do povo, e é por isso que a defesa da conciliação de classes é uma picaretagem: significa na palanque pro haddadprática privilegiar as elites, e distribuir algumas migalhas para a população humilde, dando um “cala a boca” na gente. Mas essas migalhas são resultados da nossa própria exploração, e portanto significam que estamos sendo sugados. E como seríamos desprezíveis se nos contentássemos com meras migalhas…

A outra coisa que a gestão Haddad introduziu, em relação à gestão Kassab, e que é fundamental para dar sustentação à mentira da conciliação de classes, foi uma grande capacidade de cooptação e de subordinação dos movimentos sociais. E não estamos falando apenas de cargos e salários: no interior do programa “Minha Casa, Minha Vida” existe uma parcela destinada às “entidades”, e apesar de ser uma fatia minúscula do “Minha Casa, Minha Vida”, ela significa o repasse de alguns milhões de reais a um conjunto de movimentos sociais ligados ao PT, na imensa maioria dos casos. É por esse motivo que aquilo que era abominado e combatido há poucos meses, durante a gestão Kassab, por esses movimentos, agora é aplaudido ou silenciado. Que passe de mágica tosco!

E como agem muitos desses “movimentos” em relação à população que necessita de moradia? Agem como uma mistura de burocracia do Estado e de imobiliárias: prometem moradia a milhares de pessoas; fazem imensassem ocupacoes listas de cadastros; passam a cobrar dinheiro das famílias, todo mês; e fazem negociatas junto ao governo para conseguir um punhado de unidades habitacionais, que muitas vezes são vendidas às famílias cadastradas. Além disso, trocam a participação das famílias em reuniões e em protestos por pontos. Ou seja, exploram o povo e colocam as pessoas no cabresto! Assim, estes “movimentos” lacaios das empreiteiras e dos governantes fazem da luta da moradia um grande negócio, e se transformam em mais um obstáculo para combatermos essa lógica mercantil e opressora, que só nos prejudica.

Não adianta aqui ficar lamentando o fato de que um partido político e um conjunto de organizações que em sua origem eram combativos, inclusive apoiando e organizando ocupações de terra, agora tentam criminalizar e reprimir duramente as ocupações do Grajaú. E nem adianta apelar para a boa vontade e para a consciência dos ex-companheiros e companheiras, que se tornaram burocratas e parasitas, insensíveis às necessidades da população trabalhadora. Ao contrário, cabe conhecer a fundo essa história, para tentar evitar velhos erros, e sobretudo, cabe a gente se organizar e ir para a luta, pois é no poder popular que reside a esperança de mudar essa situação. E esse poder não provém das urnas, e nem é construído de cima para baixo, mas sim de baixo para cima, como auto-organização. É NÓIS POR NÓIS, COM NÓIS, PARA NÓIS! As Ocupações do Grajaú Resistem! Todo Poder ao Povo!

viva as ocupações

A esquerda e as lutas

Pitacos sobre a posição da esquerda diante das lutas

estaiada1Não se pode negar o papel que o Movimento Passe Livre cumpriu no desencadeamento dos protestos que se espalharam pelo país. Na cidade de São Paulo, nos últimos aumentos da passagem, desde 2005, o MPL convocou atos que cresceram de tamanho e se tornaram tradicionais. Neste ano, a ousadia em propor atos em sequência, com uma radicalidade incomum, foi determinante para os desdobramentos que nos surpreenderam a todos. Mas não só isso. Também foi decisiva a falta de pretensão do Movimento em se apresentar como dono das lutas e de assumir controle sobre elas. Isso traz importantes reflexões para o conjunto da esquerda, da qual somos parte, e que em sua maioria ficou atônita. Afinal, foi aberta uma conjuntura que deixou evidente a incapacidade da esquerda de dialogar e de apresentar propostas para o conjunto da população. Daí a grita histérica em favor do “trabalho de base”, sobretudo nas periferias. Como se essa palavra tivesse poderes mágicos, e como se estivéssemos todos nós só esperando para ser iluminados por nossos maravilhosos quadros da esquerda, que adoram ouvir o som das próprias vozes. E que simplesmente naturalizam essa divisão entre topo e base…

Diante das massas que tomaram as ruas, as organizações de esquerda iniciaram um festival de atos esvaziados, burocráticos e sem criatividade, levantando pautas confusas, sem objetividade e sem radicalidade, em meio a disputas para ver quem era o dono das lutas. E isso sempre movidos pelo fetiche de sentar à mesa de negociações com os representantes do Estado, e depois se gabar dos seus supostos triunfos.

O MPL só conseguiu fazer uma boa análise de conjuntura e sair do roteiro, como analisaram os companheiros e companheiras do PassaESPECIAL PET FABIOLA REIPERT - SP Palavra (http://passapalavra.info/), porque seus membros não são burocratas, não estão se dedicando a construir candidaturas, não estão subordinados a politiqueiros ou a sindicatos pelegos, não estão batalhando por seus meios de vida, garantindo cargos no governo ou brigando por estrutura, não estão buscando se manter como dirigentes autoproclamados, que tentam centralizar tudo. Além disso, e por causa disso, os militantes do MPL não propuseram lutas para aparecer no facebook, ou para aumentar o número de seus “seguidores” nas tais redes sociais. Eles também não estavam preocupados em conseguir reuniões com os desgraçados dos governantes, para barganhar migalhas e sair na foto. Enfim, o Movimento não reproduziu a lógica que domina boa parte da esquerda como um câncer.

Essa esquerda se dividiu entre o pânico “anti-fascista” e o discurso vazio da “unidade”, que não conseguiu esconder seus interesses mesquinhos em preservar ou ampliar as migalhas que recebem. Para quem está na luta cotidiana, não resta qualquer dúvida que a direita domina o país e que o conservadorismo tem aumentado de modo gritante, alimentado pelo marketing, pela cultura do medo, pelo consumismo, pelo paternalismo, enfim, por vários dos pilares do projeto petista, que nem reformista consegue ser, que não ousa tocar em qualquer questão estrutural, e cuja forma de gestão do capitalismo só acirra os antagonismos sociais, e serve de combustível para a direita.

992981_541435065912854_452150089_nE quem está na luta cotidiana sabe que a resposta a tudo isso não pode ser o pânico, mas sim a dedicação e o compromisso na construção das lutas e dos processos organizativos, autônomos e radicais. Não podemos cair na armadilha pseudo-reformista de voltar todas as nossas energias para sustentar um projeto político terrível, de modo a evitar um “mal maior”. Enquanto não conseguirmos construir um projeto revolucionário, estamos fadados a produzir o “mal maior”, e a reduzir nosso horizonte político a ponto de não sobrar nada que preste.

De modo bastante contundente, a luta direta mostrou potenciais e balançou o “consensão” petista, que apesar das convocatórias “às suas bases”colocou na rua só meia dúzia de gatos pingados. Cabe aos lutadores e às lutadoras agir e se posicionar neste contexto, de modo a não permitir que a direita se aproprie das lutas e saia ainda mais fortalecida.

Conjuntura

Por que ninguém fala sobre a conjuntura nacional? – Parte III

Consumada a vitória, e se valendo de um contexto econômico favorável, os dirigentes petistas puderam intensificar seus esforços para se consolidar no poder, e para fundir as estruturas partidárias com as do Estado. Que banquete, em que se refestelaram tantos “quadros” “sem-teto”, “sem-terra”, “educadores populares”, “metalúrgicos”, etc., com as migalhas que caíam dos pratos das grandes construtoras, dos latifundiários, dos empresários da educação, dos dirigentes industriais, dos banqueiros… “Traidores!”, assim comumente os chamaram os que não escolheram o mesmo rumo. Mas será que isso basta para explicar o que se passou? Não seria melhor começar a buscar os “porquês” nas respostas equivocadas dadas pelas organizações às contradições e aos limites que o capitalismo nos impõem a todos e todas que lutam? Por exemplo, a imitação da lógica estatal e empresarial, com a profissionalização dos militantes, o centralismo, a burocratização, e a busca pelo êxito eleitoral, como se o Estado fosse uma estrutura oca, neutra, esperando para ser ocupado por um bom ou um mal governo, ou como se o caminho eleitoral não sugasse as energias, e não homogeneizasse tudo pela farsa do debate, pelo marketing, pela necessidade de grandes financiamentos, pelos lobbies, etc., enfim, toda essa novela tantas vezes encenada, em tantos lugares e épocas distintas, sempre com um final tão trágico para nós, aqui de baixo.

E para coroar a sua “marcha triunfal”, os “companheiros” petistas se fizeram os anunciadores de um novo mundo, fruto da difusão do crédito pessoal. Em meio aos velhos e novos famélicos, que as “bolsas-isso” e “bolsas-aquilo” evidentemente não eliminaram, o Brasil se torna assim o éden do consumo predatório, a terra prometida dos televisores de plasma e dos telefones celulares de última geração. Aqui se estranha os iguais, na mesma medida em que se idolatra o playboy empresário, o artista da novela, e a nova promessa do futebol. A multidão de moradores de rua; os despejados; os incontáveis jovens pobres – geralmente negros – exterminados pela polícia; o exército de viciados em álcool e drogas, as fileiras de mulheres oprimidas, espancadas, violentadas, reduzidas a meras mercadorias; a falta de médicos e remédios; as horas diárias presos no trânsito; a escravidão pelo dinheiro; a incerteza em relação ao dia de amanhã; a desconfiança; o medo; tudo são ossos do ofício, tudo se torna normal, tudo se tenta esquecer ou justificar como necessário ou inevitável.

Eis aí a grande derrota que sofremos. Em questão de décadas, o ímpeto de um projeto coletivo de transformação social, que mobilizava grandes contingentes populacionais, é substituído por um voraz individualismo consumista. Não é à toa que atualmente em terras brasileiras são requentadas as velhas pataquatas pós-moderninhas do fim das classes, dos “ressentimentos”, das clivagens entre esquerda e direita, da história, enfim, junto com o “relaxa e goza” desesperado, repetido como um mantra por uma horda de esquizofrênicos e depressivos.

Sim, de onde olhamos, são tempos sombrios para aqueles que não colocam um preço em seus princípios e seus anseios, em sua indignação e sua coragem, e para os que não podem se esconder sob a máscara do cinismo. Ora, jamais nos foi regalada a capacidade de escolher as condições nas quais buscamos fazer a história. Mesmo assim, subsiste a necessidade de caminhar, de continuar uma andança que começou em tempos imemoriais, contra imemoriais formas de opressão e de dominação.

Presos a um eterno presente, divididos em mil fragmentos desconexos, incapazes de aprender com o passado, de imaginar e batalhar por um futuro que não seja um simples “mais do mesmo”,  somos condenados a não saber quem somos, e assim, não vivemos o ontem, não conseguimos viver o agora, e continuaremos vegetando no amanhã, indignos. É preciso escutar e aprender a decifrar os signos por meio dos quais os que nos antecederam nos legaram lições preciosas. Faz-se necessário construir nosso senso de história, encontrar e também cerzir os fios invisíveis que nos conectam a um passado de luta, de resistência, de compromisso, de dedicação, de esperança, que não respeita fronteiras, nem o tempo do relógio.

Por mais negativa que seja nossa compreensão do presente, os descaminhos da esquerda brasileira nas últimas décadas nos revela os potenciais de um ascenso de classe sustentado por lutas diretas e experiência coletivas e verdadeiras. E também nos chama a atenção para as nossas vulnerabilidades frente ao reformismo, à covardia, e ao oportunismo. Diante disso, percebemos que negar esse caminho, e fazermos a crítica ao capitalismo como um todo (incluindo, portanto, o Estado, às estratégias eleitorais e parlamentares, e à lógica empresarial e burocrática), bem como nos lançarmos à construção da autonomia, da auto-organização, do poder popular, para além dos discursos, sem dúvida é o mais difícil, mas é, ao mesmo tempo, nada menos que uma questão de sobrevivência.

Conjuntura

Por que ninguém fala sobre a conjuntura nacional? – Parte II

            Mas é o caso de nos explicarmos melhor. Há poucas décadas, germinaram sob o solo devastado por uma brutal ditadura militar um sem-número de experiências organizativas bastante ricas, diversificadas e significativas. Dentre as mais conhecidas estão: as imensas mobilizações e greves da região do Grande ABC paulista, antecedentes imediatos da criação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), em 1983, uma central sindical que logo se estabeleceu em âmbito nacional; as greves dos bóias-frias e a onda de ocupações de terra rurais, que beberam da experiência das Ligas Camponesas e que logo dariam origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em 1985; e tantas iniciativas urbanas de luta por saúde, educação, moradia, transporte, etc., que reuniram muitas pessoas e deram origem a muitos movimentos sociais. Como sabemos, esses três conjuntos de experiências se relacionam à multiplicação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e sofreram influência da Teologia da Libertação; além disso, eles estiveram bastante implicados na criação e consolidação dos Partidos dos Trabalhadores (PT), em 1980, o “partido do Lula”.

      PT, CUT, MST… Se os mencionamos e os tomamos como representativos é devido à importância que tiveram e que ainda têm; não é simplesmente porque resumem todo o processo histórico que lhes deu origem, de modo algum. Por outro lado, sob essas bandeiras se abrigam tantos esforços, contradições, frustrações, conquistas, disputas, que estamos longe de algo monolítico e homogêneo. Da mesma forma, a despeito de serem expressões do mesmo contexto, e compartilharem uma série de características, seria absurdo simplesmente identificá-los, como se fossem a mesma coisa. Suas trajetórias demonstram isso.

     Na década de 1990, sob a égide massacrante do que se convenciona chamar de neoliberalismo, essas três organizações prosperaram. A CUT e o PT, por motivos que logo mencionaremos e sob o impacto da derrota nas eleições presidenciais de 1989, fizeram-no com uma linha “pragmática” e cada vez menos radical, devotada à disputa por estruturas e à conquista de espaços na máquina estatal (e também nos fundos de pensão e coisas que tais), a coalizões, barganhas, conciliações, conchavos, lobbies, e por aí vai. Já o MST cresceu e se fortaleceu principalmente por meio do caminho da luta direta, fazendo diversas ocupações de terras, e, no interior de seus acampamentos e assentamentos, tendo de considerar as formas de sociabilidade de modo mais integral, e se colocar às voltas com diversas questões práticas relativas à produção, à educação, à formação política, entre outras.

        De todo modo, o fortalecimento dessas e de outras organizações criaram um ambiente aparentemente promissor, e apesar das singularidades de cada uma delas, das disputas, das contradições, o fato é que uma parte bastante expressiva da “esquerda” brasileira apostou pesadamente no caminho capitaneado pelo PT, sobretudo diante das perspectivas reais de vitória de Lula nas eleições de 2002. Com isso, a força e a vitalidade de boa parte das iniciativas de base (ou desde “baixo”) minguaram, e mesmo organizações que se mantiveram combativas freqüentemente se burocratizaram e se engessaram.