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textos de análise de conjuntura

Quando a farsa vira tragédia

Quando a farsa vira tragédia

Foi dito que a história se repete; ao que se emendou: primeiro como tragédia, depois como farsa. Mas o bizarro espetáculo que vem sendo encenado em terras brasileiras, parece a farsa, da farsa, da farsa.

militares_manifestacao_15_de_marcoTambém se falou que as sociedades modernas só existem em constantes e radicais transformações: são revolucionárias por natureza. Ao que se acrescentou: algumas dessas sociedades se transformam por meio de acordos e rearranjos vindos “do alto”, as chamadas “revoluções passivas”. Se a história brasileira nos últimos séculos foi marcada por muitas e importantes lutas sociais – contra a invasão portuguesa, contra a escravidão, contra a exploração assalariada, contra ditaduras, entre outras -, episódios em que os debaixo afrontaram as tantas opressões que sofriam, é evidente que a coragem, a dedicação e a organização dos subalternos não foi suficiente para virar esse jogo. E isso mesmo se consideramos que boa parte dessa história de luta foi violentamente apagada por uma elite sanguinária, de uma ambição sem qualquer limite, que sempre morreu de medo dos debaixo, e massacrou quem ousou se opor aos seus desmandos.

Uma das coisas que distinguem a situação atual é que a barbárie e a ofensiva promovida pelos endinheirados não é uma resposta a qualquer confronto ou ameaça popular. E ela também não implicapm spray em nenhum tipo de sacrifício por parte das elites, na linha do “vão-se os anéis, ficam os dedos” . Ela segue outra lógica, que já opera há tempos: à falta de uma oposição real, à falta de forças sociais que coloquem freios à sua sede por dinheiro, a palavra de ordem é: “ficam os anéis, e passem todo o restante do ouro pra cá: agora!”. Além do velho mandamento: “depois de mim, o dilúvio”, ou seja, “para mim tudo, e que tudo o mais se exploda”.

Essa situação óbvia é escondida por uma grossa cortina de fumaça: a grande mídia zomba da nossa inteligência, martelando besteiras sem parar; de modo geral, o resumo da ópera é que a origem de todos os males da humanidade é a corrupção, entendida como um problema moral. A corrupção é um sintoma, é a expressão de uma doença terrível e muito resistente, que precisa ser entendida para ser combatida (afinal, não se vence a gripe atacando o espirro, mas sim o vírus). Essa doença é a própria vida escravizada pelo imperativo do lucro; em um mundo em que “Deus é uma nota de 100”, o dinheiro corrompe, e a corrupção, sob diversas formas, prevalece, sob qualquer governo, de qualquer partido.

pm com crianca 15 de marcoAssim, por detrás da tal cortina de fumaça vemos algo muito simples: o que está em jogo são meros acertos entre os ganhadores de sempre. Afinal, além de injustiças e desigualdades, uma sociedade guiada pela ganância desenfrada necessariamente gera crises, riscos e perdas. Depois de terem lucrado muito, em tempos de relativa bonança e de muitas fraudes, agora se trata de empurrar a fatura dessa conta para os perdedores de sempre – a população trabalhadora -, e de criar caminhos para dar continuidade ao seu enriquecimento. E um dos elementos mais importantes dessa equação é saber quem vai ter mais ou menos acesso aos cofres do Estado. Basicamente é sobre isso que se trata toda a polêmica pró e contra-Dilma.

As recentes marchas e as manifestações de rua, que talvez pudessem ser a expressão de um processo de reflexão e de organização, revelam precisamente o oposto. Em ambos os protestos, muitas bandeiras nacionais, manifestantes cantando o hino e palavras de ordem nacionalistas; “militantes” pagos; “dirigentes políticos”dilma fica acompanhados por muitos seguranças particulares; agressões e demonstração de ódio contra opositores; muitas palavras de ordem comuns a ambos os “eventos” (“abaixo a corrupção”; “reforma política” etc.); e, quando os manifestantes eram questionados sobre os motivos dos protestos e sobre o que queriam ou esperavam delas, ficava evidente que não havia nada por detrás dos “slogans”, além de muita confusão mental (confiram o relato de um companheiro aqui; e vejam os vídeos aqui e aqui).

É certo que causa grande impacto a grita por um novo golpe militar, o anacrônico coro de “vai pra Cuba” ou “chupa comunista”, que são expressões conscientes ou inconscientes do mais puro ódio de classes. Entretanto, a defesa acrítica do governo e a afirmação militante da noção do “menos pior”, que aceita um caminho que evidentemente têm alimentado o “pior do pior”, revelam uma matriz comum – fanática – a ambos os campos (a)políticos.

pm tropa do bracoEm meio a tanto barulho, não se diz palavra sobre as questões que realmente importam. Que tempos terríveis, em que parece não existir história, em que parecemos presos num eterno presente, pleno de desgraças. Se é que se pode ainda perguntar pelo sentido da vida, este parece se resumir a ter mais e a parecer melhor que os demais: é só competição, ostentação, consumismo. Ficamos insensíveis em relação ao sofrimento e as alegrias dos demais; até a nossa própria vida a gente vê como uma novela, com distanciamento e com certa indiferença. Não é à toa que existe uma epidemia de doenças como depressão, síndrome do pânico, esquizofrenia, e tantas outras, que há pouco tempo achávamos que era coisa de rico. Além disso, torna-se normal nos dias de hoje vermos evangélicos realizando exercícios militares e atacando terreiros (de umbanda e candomblé); multidões escravas de um cachimbo; policiais matando, torturando e encarcerando negros e pobres aos montes, e sendo aplaudidos por isso; grupos extremistas assassinando homossexuais; milhões utilizando as “redes sociais” para destilar o ódio e os preconceitos mais bárbaros; milhares de mulheres sendo agredidas, violentadas e mortas…

Da mesma forma como “governo” e “oposição” (dois lados da mesmapm tropa 2 moeda) estão comprometidos até o último fio de cabelo com a lógica opressiva, hierárquica, alienante e exploradora do capital, forças ditas de “esquerda” e de “direita” convergem na marcha fascista em curso, expressão daquela lógica. Mesmo alguns movimentos populares que se afirmam “autônomos” e “revolucionários”, imersos até o pescoço nas barganhas e sufocados pelo seu próprio oportunismo e autoritarismo, jogam lenham na fogueira fascista; longe de estimularem a autonomia de seus membros, de abrir espaços para a reflexão e para a compreensão da conjuntura, eles buscam reforçar as falsas polarizações, rebaixar as discussões ao nível do “FLA X FLU”, e fortalecer seu caráter autoritário e manipulador.

Se o pensamento está tão fora de moda, e se a “comunicação” é propriedade de meia dúzia de grandes empresas, não pode existir liberdade de expressão; se esquerda e direita se igualam numa massa raivosa, desnorteada, e manipulável, e se os partidos de direita e de esquerda reduziram seu horizonte ao favorecimento de si próprios e dos grandes grupos econômicos, não pode existir liberdade política; se estamos todos infantilizados, incapazes de tomar decisões, não pode existir nenhum livre-arbítrio. Ainda assim, vemos milhões clamando por uma nova ditadura civil-militar. De fato, existe o perigo dos manipuladores errarem nos seus cálculos, e acabarem libertando um monstro que eles alimentam, mas que não têm poder para controlar, e que pode se voltar contra seus próprios interesses. Uma coisa é certa: enquanto ficarmos reféns dos erros e acertos de cálculos das elites, continuaremos de mal a pior. É evidente que essa escalada fascista em curso por todo o mundo só poderá ser refreada com a ação popular consciente e articulada, embasada em experiências práticas de planejamento, tomada de decisão e de controle sobre as mais diversas esferas de nossas vidas, nas mais diversas escalas. Os fascistas de plantão e de profissão de fé continuarão suas marchas rumo ao abismo. Será que iremos conseguir puxar o freio, e desbravar outros caminhos?

O que as Ocupações revelam sobre a gestão Haddad

Parte 2 – A gestão Haddad e os Movimentos Sociais

A cada nova gestão municipal a hegemonia das grandes empresas é aperfeiçoada. Já faz um tempo analisamos, junto com os companheiros e as companheiras do Pela Moradia, do Rio de Janeiro, a relação entre duas das principais facetas das administrações públicas de São Paulo e do Rio de Janeiro: a sua militarização e a sua consolidação como um balcão de negócios (leia em https://redeextremosul.wordpress.com/2011/10/17/conjuntura-6/ e https://redeextremosul.wordpress.com/2011/10/25/conjuntura-7/). Ao retomar essa discussão hoje, à luz da gestão Haddad, a novidade não estaria na capacidade da Prefeitura em transferir renda para as elites empresariais e garantir a elas cada vez maiores lucros e rendimentos, mas sim em garantir o apoio de forças que até pouco tempo se diziam contrárias a esse processo.

Vamos nos limitar aqui à discussão da habitação, para não alongar demais a prosa. Apesar de acenar com promessas de construção de moradias populares, denunciamos na primeira parte deste texto que os haddad e malufmétodos e os interesses da atual administração municipal são os mesmos que o da administração anterior, e que importantes “quadros” da gestão anterior mantiveram seus cargos na gestão atual. Haddad nem mesmo nomeou um secretário de habitação indicado pelos movimentos sociais, e sim pelo Paulo Maluf, que de grande inimigo do PT, se tornou um aliado fiel. Mudou ele, ou mudou o PT?

Questões existenciais à parte, em resumo, foram duas coisas que a gestão Haddad introduziu como novidade, em relação à administração anterior. Em primeiro lugar, foi a ideia de conciliação de classes, de que ricos e pobres compartilham dos mesmos objetivos, e que todos devemos dar as mãos e seguir juntos. Só não falam qual o rumo que tomaremos, pois este é um rumo trágico.

Por que essa ideia de conciliação de classes é uma farsa e uma tragédia? Pois a essência vital das elites é o dinheiro, o lucro. E qual é a fonte do lucro, cuja busca incansável emcmv... sem limites move esse sistema podre, que nos escraviza? A resposta, que é óbvia, mas é sempre mascarada, é uma só: a exploração do trabalho. É por isso que “quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro”, como diz a sabedoria popular. Assim, se a fonte do lucro é a exploração e a opressão que sofremos, então os interesses dos empresários e os nossos interesses estão em conflito.

Na questão da moradia isso fica muito evidente: para nós interessa uma casa espaçosa, feita com materiais de boa qualidade, que nos garanta privacidade e conforto. Além disso, queremos que no lugar onde moramos existam áreas de lazer, infraestrutura, um bom sistema de transporte e por aí vai. Para a empreiteira do “Minha Casa, Minha Vida” o que interessa é o oposto: ela quer ganhar dinheiro, e por isso interessa a ela jogar o maior número possível de pessoas no menor espaço possível, para economizar materiais e diminuir o tamanho do terreno necessário para fazer as moradias. Se isso não bastasse, interessa à empreiteira utilizar o material de pior qualidade, e pagar os salários mais baixos para seus funcionários, de modo a reduzir ainda mais seus custos.

Ou seja, para nós interessa uma moradia digna, num bairro bem estruturado, e para a empreiteira interessa fazer uma favela verticalizada. Os interesses das elites são opostos aos interesses do povo, e é por isso que a defesa da conciliação de classes é uma picaretagem: significa na palanque pro haddadprática privilegiar as elites, e distribuir algumas migalhas para a população humilde, dando um “cala a boca” na gente. Mas essas migalhas são resultados da nossa própria exploração, e portanto significam que estamos sendo sugados. E como seríamos desprezíveis se nos contentássemos com meras migalhas…

A outra coisa que a gestão Haddad introduziu, em relação à gestão Kassab, e que é fundamental para dar sustentação à mentira da conciliação de classes, foi uma grande capacidade de cooptação e de subordinação dos movimentos sociais. E não estamos falando apenas de cargos e salários: no interior do programa “Minha Casa, Minha Vida” existe uma parcela destinada às “entidades”, e apesar de ser uma fatia minúscula do “Minha Casa, Minha Vida”, ela significa o repasse de alguns milhões de reais a um conjunto de movimentos sociais ligados ao PT, na imensa maioria dos casos. É por esse motivo que aquilo que era abominado e combatido há poucos meses, durante a gestão Kassab, por esses movimentos, agora é aplaudido ou silenciado. Que passe de mágica tosco!

E como agem muitos desses “movimentos” em relação à população que necessita de moradia? Agem como uma mistura de burocracia do Estado e de imobiliárias: prometem moradia a milhares de pessoas; fazem imensassem ocupacoes listas de cadastros; passam a cobrar dinheiro das famílias, todo mês; e fazem negociatas junto ao governo para conseguir um punhado de unidades habitacionais, que muitas vezes são vendidas às famílias cadastradas. Além disso, trocam a participação das famílias em reuniões e em protestos por pontos. Ou seja, exploram o povo e colocam as pessoas no cabresto! Assim, estes “movimentos” lacaios das empreiteiras e dos governantes fazem da luta da moradia um grande negócio, e se transformam em mais um obstáculo para combatermos essa lógica mercantil e opressora, que só nos prejudica.

Não adianta aqui ficar lamentando o fato de que um partido político e um conjunto de organizações que em sua origem eram combativos, inclusive apoiando e organizando ocupações de terra, agora tentam criminalizar e reprimir duramente as ocupações do Grajaú. E nem adianta apelar para a boa vontade e para a consciência dos ex-companheiros e companheiras, que se tornaram burocratas e parasitas, insensíveis às necessidades da população trabalhadora. Ao contrário, cabe conhecer a fundo essa história, para tentar evitar velhos erros, e sobretudo, cabe a gente se organizar e ir para a luta, pois é no poder popular que reside a esperança de mudar essa situação. E esse poder não provém das urnas, e nem é construído de cima para baixo, mas sim de baixo para cima, como auto-organização. É NÓIS POR NÓIS, COM NÓIS, PARA NÓIS! As Ocupações do Grajaú Resistem! Todo Poder ao Povo!

viva as ocupações

A esquerda e as lutas

Pitacos sobre a posição da esquerda diante das lutas

estaiada1Não se pode negar o papel que o Movimento Passe Livre cumpriu no desencadeamento dos protestos que se espalharam pelo país. Na cidade de São Paulo, nos últimos aumentos da passagem, desde 2005, o MPL convocou atos que cresceram de tamanho e se tornaram tradicionais. Neste ano, a ousadia em propor atos em sequência, com uma radicalidade incomum, foi determinante para os desdobramentos que nos surpreenderam a todos. Mas não só isso. Também foi decisiva a falta de pretensão do Movimento em se apresentar como dono das lutas e de assumir controle sobre elas. Isso traz importantes reflexões para o conjunto da esquerda, da qual somos parte, e que em sua maioria ficou atônita. Afinal, foi aberta uma conjuntura que deixou evidente a incapacidade da esquerda de dialogar e de apresentar propostas para o conjunto da população. Daí a grita histérica em favor do “trabalho de base”, sobretudo nas periferias. Como se essa palavra tivesse poderes mágicos, e como se estivéssemos todos nós só esperando para ser iluminados por nossos maravilhosos quadros da esquerda, que adoram ouvir o som das próprias vozes. E que simplesmente naturalizam essa divisão entre topo e base…

Diante das massas que tomaram as ruas, as organizações de esquerda iniciaram um festival de atos esvaziados, burocráticos e sem criatividade, levantando pautas confusas, sem objetividade e sem radicalidade, em meio a disputas para ver quem era o dono das lutas. E isso sempre movidos pelo fetiche de sentar à mesa de negociações com os representantes do Estado, e depois se gabar dos seus supostos triunfos.

O MPL só conseguiu fazer uma boa análise de conjuntura e sair do roteiro, como analisaram os companheiros e companheiras do PassaESPECIAL PET FABIOLA REIPERT - SP Palavra (http://passapalavra.info/), porque seus membros não são burocratas, não estão se dedicando a construir candidaturas, não estão subordinados a politiqueiros ou a sindicatos pelegos, não estão batalhando por seus meios de vida, garantindo cargos no governo ou brigando por estrutura, não estão buscando se manter como dirigentes autoproclamados, que tentam centralizar tudo. Além disso, e por causa disso, os militantes do MPL não propuseram lutas para aparecer no facebook, ou para aumentar o número de seus “seguidores” nas tais redes sociais. Eles também não estavam preocupados em conseguir reuniões com os desgraçados dos governantes, para barganhar migalhas e sair na foto. Enfim, o Movimento não reproduziu a lógica que domina boa parte da esquerda como um câncer.

Essa esquerda se dividiu entre o pânico “anti-fascista” e o discurso vazio da “unidade”, que não conseguiu esconder seus interesses mesquinhos em preservar ou ampliar as migalhas que recebem. Para quem está na luta cotidiana, não resta qualquer dúvida que a direita domina o país e que o conservadorismo tem aumentado de modo gritante, alimentado pelo marketing, pela cultura do medo, pelo consumismo, pelo paternalismo, enfim, por vários dos pilares do projeto petista, que nem reformista consegue ser, que não ousa tocar em qualquer questão estrutural, e cuja forma de gestão do capitalismo só acirra os antagonismos sociais, e serve de combustível para a direita.

992981_541435065912854_452150089_nE quem está na luta cotidiana sabe que a resposta a tudo isso não pode ser o pânico, mas sim a dedicação e o compromisso na construção das lutas e dos processos organizativos, autônomos e radicais. Não podemos cair na armadilha pseudo-reformista de voltar todas as nossas energias para sustentar um projeto político terrível, de modo a evitar um “mal maior”. Enquanto não conseguirmos construir um projeto revolucionário, estamos fadados a produzir o “mal maior”, e a reduzir nosso horizonte político a ponto de não sobrar nada que preste.

De modo bastante contundente, a luta direta mostrou potenciais e balançou o “consensão” petista, que apesar das convocatórias “às suas bases”colocou na rua só meia dúzia de gatos pingados. Cabe aos lutadores e às lutadoras agir e se posicionar neste contexto, de modo a não permitir que a direita se aproprie das lutas e saia ainda mais fortalecida.

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Convite do Encontro de Formação – é neste sábado, dia 16/03

encontro rede 2013 final menor

Incêndios e Eleições

Quem paga a Orquestra escolhe a Música

Às vésperas das eleições, e quase no fim de seu mandato, o Kassab liberou mais R$ 3,3 bilhões para o Programa Mananciais. Como sempre, as negociatas correm soltas, e os “governantes” entucham dinheiro nas grandes empresas, financiadoras das campanhas. Afinal, uma mão lava a outra, e as duas ferram com o povo.

O processo é bem simples: essas empresas, que são grandes construtoras, imobiliárias, empresas de transporte etc., investem alguns milhões nas campanhas (de todos os políticos que tenham chance de ganhar as eleições, independente do partido), e recebem em troca bilhões. Toda a máquina do Estado fica a serviço dessas empresas, e quem entra na prefeitura ou nos governos se torna um mero funcionário dos magnatas.

Por outro lado, essse dinheiro todo, que sai do bolso do povo, vai ser usado para despejar milhares e milhares de famílias, com toda a violência e em troca do migalhas, como a gente bem sabe. De quebra, vai ser feita muita propaganda, vendendo essa desgraça como uma grande benfeitoria à população da periferia.

E quando a polícia, as ameaças e as migalhas não bastam para despejar os moradores, o Estado e as empresas utilizam um outro meio muito eficiente: os incêndios criminosos. Nas últimas semanas foram destruídas pelo fogo mais de mil casas, deixando milhares desabrigados na favela Humaitá, na favela do Areão, na Favela Alba, na Favela  Estação Ipiranga, na Favela da Paixão, no Morro do Piolho, e em Paraisópolis. Não por coincidência, todas essas comunidades se encontram em áreas valorizadas, alvo de grandes ondas de especulação imobiliária, envolvendo obras que servem de desculpa para encher de dinheiro os cofres das empreiteiras.

E não se trata de acontecimentos isolados, pois nos últimos 4 anos foram registrados mais de 540 incêndios em favelas. Essas tragédias, que resultam em mortes, ferimentos graves, em perda do teto e na brutal destruição daquilo que as famílias batalharam tanto para conseguir, revelam a ganância e a crueldade sem limites das empresas e do Estado. E mostram também que não vai ser pelo caminho das urnas que vamos parar esse processo, mas somente pela organização popular.

Uma imagem vale mais do que mil palavras

Tá rindo de que? Tá rindo de quem?

Todo mundo sabe, mas às vezes é bom desabafar. Afinal, é muito sapo que a gente engole, e daqui a pouco o perigo é a gente explodir…

Não tem uma esquina, um canteiro, um poste, um muro, onde não estejam essas figuras, com aquele sorriso de orelha a orelha. A maioria engravatados, outros “mais à vontade”; umas com frases de efeito, outros acompanhados por seus “padrinhos”. Mas o que não falta de jeito nenhum é o sorriso.

E a gente, espremido num busão, cansados, irritados, humilhados, vendo toda essa alegria. Não sei de vocês, mas assim que começou o “tempo de política”, e as faixas, cavaletes, placas começaram a se espalhar, a gente acabava se perguntando: “do que diaxo será que esses caras tão rindo tanto?”. Mas bastava pensar um pouquinho, que a resposta surgia, bem na nossa cara: eles não precisam acabar com a saúde deles passando horas num busão e num trem abarrotados; eles não se matam de trabalhar pra sobreviver; eles e os familiares deles não morrem numa fila de hospital por falta de atendimento; só de salário eles ganham uma bolada, fora o salário “não oficial”, que vem das negociatas etc.

Enfim, os politiqueiros e politiqueiras têm motivo de sobra para dar risada. Nas fotos espalhadas pelas ruas da cidade eles estão é tirando o maior sarro da gente.

Apesar de ter pessoas boas que se envolvem com esse tipo de política, o seu número é cada vez menor, e os espaços para elas estão cada vez mais fechados. Porque o que manda no jogo eleitoral é o poder do dinheiro, a propaganda, os favores e a enganação. Afinal, para entrar no buraco do rato, é preciso ficar parecido com ele… E é por isso que as mudanças que são necessárias para que possamos ter uma vida digna não vão vir pelas urnas, mas sim do povo unido, organizado e lutando.

Se a alegria desses picaretas é a nossa desgraça, de que eles se alimentam e garantem seus mandatos, tomara que, cansados de tanta gozação, a gente exploda mesmo. Mas que essa explosão sirva para destruir toda essa podridão, esse oportunismo, essas mentiras, e para que a gente agarre nosso destino pelas mãos.

Encontro: poder popular em tempos de repressão

Conjuntura

*Continuação da série originalmente publicada no Passa Palavra.

Eixo Rio-São Paulo: Cidades-Negócio, Militarização e

Resistência Popular

Parte II: Duas facetas da Gestão Municipal

O loteamento da cidade

E desse modo as cidades se constroem como um paraíso para aqueles que negociam com a vida de todos, nos sugando e nos descartando quando lhes é conveniente. Em São Paulo, debaixo do véu criado pelos aparentemente tão respeitáveis e necessários Programa Mananciais, Operação Defesa das Águas, Operação Córrego Limpo, Expresso Tiradentes, Parques Lineares, etc., sob esse véu, a cidade foi loteada pelos grandes grupos econômicos. Nada de novo sob o sol, pois. O que chama a atenção é a força, a abrangência, e a falta de uma oposição efetiva a esse processo. Além disso, esses programas vêm com uma vantagem de início (para os grupos econômicos): quem seria contrário a proteger o meio-ambiente? O problema é que o discurso ambiental tem servido para esconder outros conflitos que são, antes de tudo, sociais. No Rio de Janeiro isso também fica claro: Se existem casas chiques e populares subindo os morros, por que somente as casas da população mais pobre são removidas “por segurança contra riscos ambientais”? Não existe dúvida de que os riscos são diferentes, afinal de contas, mesmo sendo muitas vezes construções ilegais, as grandes empresas conseguem financiamento para fazerem obras de segurança (contenção de deslizamentos e fundações, por exemplo). Mas será que o gasto público de remover várias famílias e mandá-las para longe das áreas centrais é menor do que a construção de muros para segurar os deslizamentos?

Não há exagero nenhum em dizer que as Prefeituras, o Estado, a União e seus diferentes órgãos são balcões de negócios, e que as grandes empresas mandam em tudo. Basta olhar de onde vem o atual prefeito de São Paulo e seus secretários, ou então as licitações por meio das quais bilhões foram entregues a meia dúzia de grandes construtoras, ou ainda como a quase totalidade dos partidos políticos estão ligados como que por um pacto de sangue aos grandes grupos econômicos, dos quais fazem parte ou de quem dependem para eleger seus candidatos e alimentar todo esse lodaçal que é o jogo eleitoral e as burocracias partidárias. Sérgio Cabral, atual governador do Rio de Janeiro, durante seu governo já beneficiou com mais de R$ 1,3 bilhão a empresa Delta Construções (de seu amigo pessoal Fernando Cavendish), em grande parte sem licitações. Eike Batista, empresário mais rico do país, doou R$ 750 mil para a última campanha de Cabral, além de prometer investir R$ 40 milhões no projeto das UPPs cariocas. E vejam que as fontes desses dados são conservadoras[1]. Além disso, os perversos impactos ambientais e sociais das atividades da siderúrgica alemã ThyssenKrupp CSA em Santa Cruz (bairro no extremo da Zona Oeste do Rio de Janeiro) e a ampliação do Porto de Sepetiba, bem como a construção do Porto do Açu pelo próprio empresário Eike Batista, são desconsiderados mesmo sob muitos protestos. Dá para perceber como, por trás da visibilidade que a Copa do Mundo e as Olimpíadas trazem ao Brasil, está também o grande interesse econômico de promover um tipo de “desenvolvimento” que só privilegia empresários e continua ferrando a imensa maioria da população pobre das cidades.

A militarização da gestão

Mas a venda da cidade e a sua produção como uma máquina de se fazer dinheiro tem sido acompanhadas por outro processo. Cada vez mais as questões sociais são tratadas como caso de polícia, não só o discurso policialesco e do medo se fortalecem, mas algumas importantes “inovações” institucionais são feitas. Uma delas, bastante reveladora, é a colonização das subprefeituras[2] por coronéis da Polícia Militar (dos 31 subprefeitos que existem na cidade de São Paulo, por exemplo, vinte e cinco são policiais militares). Outra inovação é o fortalecimento e a transformação dos Consegs (Conselhos de Segurança) em estruturas ativas de gestão descentralizada da cidade. Presididas também por quadros da Polícia Militar, hoje os Consegs organizam até mesmo reuniões “abertas” nas quais se discutem questões relativas à saúde, à educação, à infra-estrutura, etc. É um controle social que, em grande parte, também faz a chamada “UPP Social” no Rio de Janeiro: “policializam” não só a gestão de conflitos internos às comunidades, mas também o oferecimento de serviços ligados à cultura e à educação. As tentativas anteriores de disciplinar a população através da repressão crua fica assim mais sofisticada: além do medo imposto pelas armas e pela violência típica das polícias contra a população mais pobre, os espaços de moradia popular começam a ser controlados de perto por uma educação cotidiana policialesca. Moradores e moradoras, que tinham aprendido a conviver com a autoridade violenta do tráfico (o que é bem diferente de ser “conivente” com ele), agora voltam a ser educados para conviver com outra autoridade violenta: o Estado, através da polícia.

Como resultado prático imediato, vemos a intensificação da criminalização da pobreza e da organização popular, a dura repressão aos vendedores ambulantes, os despejos em massa, os ataques aos movimentos populares combativos e às suas tão suadas conquistas.

A cidade-negócio e a militarização da gestão são dois lados da mesma moeda, e sua intensificação nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro estão na ordem-do-dia para todos aqueles que não escolheram baixar a cabeça ou tapar os olhos. Contra essa onda repressiva, não conseguimos ver outro caminho senão o da organização autônoma do povo em luta.

Sobre os autores

A Rede de Comunidades do Extremo Sul é um movimento popular recém-criado na zona sul de São Paulo, que tem como proposta a organização autônoma do povo da periferia, sem depender de politiqueiros, nem de patrões, nem da migalha de quem quer que seja. Propomos a união das quebradas e a luta direta como meio de melhorarmos a nossa condição de vida, e combatermos as formas de opressão e de exploração que sofremos todos os dias. Junto com tant@s lutador@s, que ao longo da história se rebelaram, sabemos que nossas conquistas e nossa liberdade serão frutos de nossos próprios esforços! É por isso que caminhamos. Contatos: redeextremosul.wordpress.com, redeextremosul@gmail.com.
O Pela Moradia é um coletivo que surgiu para prestar apoio e
solidariedade à luta popular pelo direito à moradia. Até agora, temos
feito isso através do blog (http://pelamoradia.wordpress.com), da
colaboração direta com algumas das ocupações do movimento dos sem-teto do
Centro do Rio de Janeiro e da busca pela formação de uma rede de
comunicadores e comunicadoras populares que abordam e apóiam a luta por
moradia. Queremos agregar, documentar e produzir informações sobre o
ataque a esse direito fundamental sem nos sobrepor aos outros canais de
comunicação alternativa. Pensamos, afinal, que a comunicação pode ir muito
além da divulgação e ajudar diretamente a organização popular autogerida e
horizontal na qual acreditamos.

Conjuntura

Eixo Rio-São Paulo

Há algum tempo, fomos convidados pel@s companheir@s do Pela Moradia a fazer uma reflexão conjunta sobre a realidade de São Paulo e do Rio de Janeiro. O primeiro resultado desse esforço foi o texto “Eixo Rio-São Paulo: cidades-negócio, militarização e resistência popular”, cuja Parte I (“Cada quebrada com sua Copa do Mundo”) foi publicada na semana passada no Passa Palavra.

Segue também para leitura:

Eixo Rio-São Paulo: Cidades-Negócio, Militarização e Resistência Popular

Parte I: Cada Quebrada com sua Copa do Mundo

Muito se tem falado sobre os tais “mega-eventos” – a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016 -; de um lado, o entusiasmo hipócrita dos Galvões Buenos da vida, apelando aos berros à estupidez nacionalista e tentando nos vender caro o “espetáculo” dos esportes. De outro lado, os jornalistas e comentaristas falando com gravidade, mas com o mesmo cinismo, sobre os atrasos nas obras e o receio de “fazermos feio” (como se esses atrasos não estivessem previstos, já que são sempre usados como forma de “flexibilizar” as licitações e facilitar ainda mais os superfaturamentos, os desvios de verba, a corrupção, e assim, permitir ao Estado que cumpra ainda melhor com uma de suas principais funções, que é a de promover grandes redistribuições de renda em favor dos ricos, ou seja, entregar às grandes empresas o dinheiro que o Estado toma de todos nós).

Em meio a toda essa falação, raramente são discutidas algumas das conseqüências mais diretas dos tais mega-eventos, e a lógica que eles seguem. Um aqui, ou outro acolá conseguem espaço para falar dos milhares de despejos que a construção dos estádios de futebol e o alargamento de vias vão produzir.

Mas que diabos tem a ver a Copa do Mundo com, por exemplo, a questão dos despejos no extremo sul de São Paulo? Afinal, aqui não vai ter jogo, e o gringo não vai passar por nossas redondezas quando se deslocar do aeroporto ao hotel, ou ao estádio de futebol.

De fato, em São Paulo, com importantíssimas exceções, como as favelas da Paz e da Fatec, em Itaquera, ameaçadas pela construção do Itaquerão (futuro estádio do Corinthians), as obras da Copa não vão afetar diretamente a maioria das comunidades mais pobres, que se concentram nas periferias. O problema é que cada periferia tem sua Copa do Mundo, uma cortina de fumaça que justifica despejos violentos em função de obras cujo propósito é entupir de dinheiro os bolsos de políticos e empresários, esconder a pobreza, e alimentar a especulação imobiliária – a cruel mágica de transformar a terra, que poderia nos abrigar ou nos alimentar, em dinheiro para uns poucos. 

Ao mesmo tempo, cada cidade-sede tem suas próprias periferias, aqueles espaços e aquelas pessoas que não estão no centro dos interesses do Estado nem dos empresários. Algumas das periferias que já existiam muito antes de se tornarem um obstáculo para esses grandes “espetáculos” (de valorização) das cidades hoje estão sendo expulsas diretamente pelos despejos ou contidas sob as armas de “novos chefes fardados”. Isso acontece com algumas das “periferias do centro” no Rio de Janeiro, com as remoções e as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Mas ao mesmo tempo em que pessoas são retiradas das comunidades desses morros do Centro e da Zona Sul, outras entram em seu lugar. Esses espaços, que antes eram periféricos, começam a ficar importantes. Mas importantes para quem? Será que antes já não eram importantes para os/as moradores/as? Sim, mas agora são importantes para outro grupo: os empresários (do turismo e do Estado).

Mas se isso está puxando algumas “periferias do centro” para perto do centro dos interesses, para onde vão as pessoas que antes estavam ali? Para isso que os grandes eventos não só produzem e reforçam “novos centros”, mas também criam e aumentam as periferias dos limites da cidade. Quando saem de suas antigas comunidades (seja por serem removidas, despejadas ou porque a vida começou a ficar muito cara por ali), as pessoas precisam buscar outros locais para morar. Assim, muitos acabam indo ou voltando para as áreas mais distantes dos centros de emprego e serviços públicos, aumentando a população que precisa se virar longe de qualquer benefício da cidade e piorando ainda mais a situação de quem já luta todo o dia para vencer a dificuldade de não ter sistema de esgoto, de água, energia, educação, saúde, transportes… É assim também que a Copa do Mundo (e as Olimpíadas, no Rio de Janeiro) chega mesmo onde não terá estádio, jogo, atleta ou gringos. Ela vai além da cortina de fumaça.

No extremo sul de São Paulo, nossa Copa do Mundo é principalmente o discurso ambiental. Com ele, os mesmos desgraçados que mandam construir o Rodoanel numa enorme área preservada em meio à represa dizem que a culpa da destruição ambiental é da família da dona Maria ou da dona Joana, que moram perto dessa represa porque não tiveram opção. Mas o que para os empresários é um discurso ambiental, uma espécie de propaganda mentirosa que faz com que outros queiram comprar os produtos ou serviços da sua empresa, para o seu João ou seu Francisco é o grande medo de ficar sem um teto. Nessa época de grandes espetáculos, não importa o que está por trás dos eventos. O que importa é a maquiagem que ele vai ganhar para ficar bonito aos olhos de quem vem gastar nele. No Rio de Janeiro também várias situações mudam de nome. Quando a dona Rosa volta para casa depois de um dia inteiro de trabalho ela encontra a sigla “SMH” pintada na sua parede. É assim que a Secretaria Municipal de Habitação transforma os despejos em “programa habitacional”.

Conjuntura

Por que ninguém fala sobre a conjuntura nacional? – Parte II

            Mas é o caso de nos explicarmos melhor. Há poucas décadas, germinaram sob o solo devastado por uma brutal ditadura militar um sem-número de experiências organizativas bastante ricas, diversificadas e significativas. Dentre as mais conhecidas estão: as imensas mobilizações e greves da região do Grande ABC paulista, antecedentes imediatos da criação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), em 1983, uma central sindical que logo se estabeleceu em âmbito nacional; as greves dos bóias-frias e a onda de ocupações de terra rurais, que beberam da experiência das Ligas Camponesas e que logo dariam origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em 1985; e tantas iniciativas urbanas de luta por saúde, educação, moradia, transporte, etc., que reuniram muitas pessoas e deram origem a muitos movimentos sociais. Como sabemos, esses três conjuntos de experiências se relacionam à multiplicação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e sofreram influência da Teologia da Libertação; além disso, eles estiveram bastante implicados na criação e consolidação dos Partidos dos Trabalhadores (PT), em 1980, o “partido do Lula”.

      PT, CUT, MST… Se os mencionamos e os tomamos como representativos é devido à importância que tiveram e que ainda têm; não é simplesmente porque resumem todo o processo histórico que lhes deu origem, de modo algum. Por outro lado, sob essas bandeiras se abrigam tantos esforços, contradições, frustrações, conquistas, disputas, que estamos longe de algo monolítico e homogêneo. Da mesma forma, a despeito de serem expressões do mesmo contexto, e compartilharem uma série de características, seria absurdo simplesmente identificá-los, como se fossem a mesma coisa. Suas trajetórias demonstram isso.

     Na década de 1990, sob a égide massacrante do que se convenciona chamar de neoliberalismo, essas três organizações prosperaram. A CUT e o PT, por motivos que logo mencionaremos e sob o impacto da derrota nas eleições presidenciais de 1989, fizeram-no com uma linha “pragmática” e cada vez menos radical, devotada à disputa por estruturas e à conquista de espaços na máquina estatal (e também nos fundos de pensão e coisas que tais), a coalizões, barganhas, conciliações, conchavos, lobbies, e por aí vai. Já o MST cresceu e se fortaleceu principalmente por meio do caminho da luta direta, fazendo diversas ocupações de terras, e, no interior de seus acampamentos e assentamentos, tendo de considerar as formas de sociabilidade de modo mais integral, e se colocar às voltas com diversas questões práticas relativas à produção, à educação, à formação política, entre outras.

        De todo modo, o fortalecimento dessas e de outras organizações criaram um ambiente aparentemente promissor, e apesar das singularidades de cada uma delas, das disputas, das contradições, o fato é que uma parte bastante expressiva da “esquerda” brasileira apostou pesadamente no caminho capitaneado pelo PT, sobretudo diante das perspectivas reais de vitória de Lula nas eleições de 2002. Com isso, a força e a vitalidade de boa parte das iniciativas de base (ou desde “baixo”) minguaram, e mesmo organizações que se mantiveram combativas freqüentemente se burocratizaram e se engessaram.

Temporada de caça aos que lutam

Militantes da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência sofrem ameaças de morte

Junto com a militarização e a criminalização da pobreza e da luta, estão se multiplicando as ameaças à vida, e mesmo os assassinados de militantes, por todo o país. Nas últimas semanas, companheiras da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência do Rio de Janeiro sofreram reiteradas ameaças (veja aqui), e na semana passada um militante do Movimento de Trabalhadores Sem-Teto sofreu uma tentativa de assassinato, no Distrito Federal (veja aqui).

Tentando encontrar nossas raízes debaixo das grossas camadas do esquecimento e da mentira, criadas pela história oficial, logo nos deparamos com a maldade e a truculência sem limites e sem tamanho das elites desse país, desde a época da invasão européia. Diante da menor tentativa de contestação, todos os aparatos repressivos eram mobilizados para promover o massacre – polícia, exército, milícias, jagunços, juízes, jornais, etc. E sempre esse massacre deveria ter um caráter exemplar, não poupando mulheres, crianças, idosos, e as mais perversas técnicas de tortura, humilhação, e terrorismo.

As elites desse país sempre foram sanguinárias, intolerantes e sempre ficaram apavoradas diante das formas de poder popular. E assim continuam até hoje.

O sistema capitalista fomenta e banaliza a violência, e nos reduz a algo insignificante, descartável, uma coisa que se mede por aquilo que pode comprar, e pela riqueza que ostenta. Pior ainda é a sentença para aqueles que não aceitam isso de cabeça baixa; esses devem ser discriminados e eliminados.

Se aceitar essa situação é impossível, diante dela precisamos redobrar nossos esforços no sentido de construirmos o poder popular, de modo a nos fortalecer diante dos nossos inimigos, e construirmos a convicção de que o sangue derramado não ficará impune, e que cada um desses companheiros e companheiras ameaçados são imprescindíveis.

Conjuntura

Por que ninguém fala sobre a conjuntura nacional? – Parte I

Pois é, este é apenas mais um texto sobre conjuntura. E talvez na cabeça do leitor esteja latejando a mesmo pergunta que também nos atormentou: “por que tem gente que perde tempo produzindo um troço deste?”. E o que é ainda mais decisivo nesse momento, “para que gastar meu tempo lendo isso?”. A gente bem que queria, mas essas respostas não temos como dar…

De nossa parte, se temos alguma coisa que nos diferencia em relação aos que costumam escrever esse tipo de texto, não é nada muito sedutor: não somos intelectuais (nem profissionais, nem orgânicos, nem de nenhuma outra espécie), não somos dirigentes (nem políticos, nem industriais, nem nada que o valha), não somos formadores de opinião (não temos parte com os grandes meios de comunicação, nem somos publicitários, não somos artistas profissionais, e estamos longe de pertencer ao clube dos famosos). Somos apenas militantes de um pequenino movimento popular, recém-criado, que mal começou sua caminhada, e que ainda assim acumula mais tropeços do que passos, nas estreitas e sinuosas veredas da luta de classe. Enfim, somos ninguém, um punhado de ninguéns que volta e meia nos metemos a escrever…

Quando pensamos na atual conjuntura brasileira, são muitos os temas que nos vêm à mente. Afora os “escândalos” da vez, que não escandalizam mais ninguém, como os casos Palloci, ou a corrupção nos ministérios do Transporte, das Cidades, do Turismo, etc., e as conseqüentes avaliações sobre os rumos do governo Dilma e coisas que tais, muito se discute sobre os Jogos Olímpicos de 2016, a Copa do Mundo de 2014 – os tais “mega-eventos” -, ou sobre o andamento da economia brasileira, supostamente um “exemplo mundial” em função das taxas de crescimento do PIB que sustentou nos últimos poucos anos.

Bem que podíamos gastar essas linhas lembrando o quão desigual é esse crescimento, e algumas de suas conseqüências sociais e ambientais perversas. Ou então, falar sobre os interesses por detrás dos mega-eventos, os grandes grupos econômicos presenteados pelo Estado com rios de dinheiro para a realização de obras superfaturadas e em grande parte inúteis, a corrupção em torno delas, os violentos despejos em massa da população pobre que não deve atrapalhar a paisagem nem o movimento dos tratores, as tentativas de calar as vozes dissonantes, e assim por diante. Ou ainda, poderíamos falar sobre o caráter estrutural da corrupção, parte necessária do funcionamento do Estado e do sistema político-partidário. No entanto, escreveremos, ao contrário, sobre algo que talvez componha o pano de fundo desse quadro.

Indo sem mais demora ao ponto, sofremos hoje as conseqüências de uma importante derrota histórica, uma derrota, é evidente, cantada em verso e prosa, e muita pirotecnia, como um êxito sem precedentes, uma prova inconteste do “progresso nacional”, a inauguração de uma nova era, segundo os vencedores de ocasião. “De ocasião”, dizemos, porque desta vez, além dos inimigos de sempre, os que não têm cessado de vencer, estão aqueles que volta e meia são chamados a repartir o butim; trata-se dos burocratas, dos politiqueiros, daqueles “companheiros” convocados para gerir o capitalismo (em geral quando este se encontra ameaçado de alguma forma), e para conter os ânimos revolucionários, o que por vezes inclui realizar o massacre das experiências mais radicais e autênticas que os de “baixo” conseguem produzir.

Conjuntura: Sobre o bolsa-aluguel

“Aluguel-Social” ou “Tragédia Social”? – Parte II

Mas vamos fazer um exercício de imaginação. Vamos imaginar um burocrata, que trabalha na Secretaria de Habitação. É difícil, mas vamos imaginar que esse burocrata não é um lacaio das grandes construtoras e imobiliárias, e que é uma pessoa honesta e até bem-intencionada. Ou seja, vamos imaginar um autêntico reformista, uma figura extinta ou em vias de extinção hoje, dentro das estruturas do Estado.

Esse burocrata passou anos lá, trabalhando duro, como funcionário de carreira, e recentemente foi chamado a ocupar um cargo junto aos altos escalões do governo. Chocado com a tragédia do “bolsa-aluguel”, essa triste figura resolve mudar essa política (na cabeça dele, criar um “verdadeiro” aluguel-social).

Diferente do que existe hoje, ele propõe a criação de um “banco público de imóveis”, usando as milhares de casas e apartamentos que se encontram vazios na cidade de São Paulo, bem como outros imóveis de proprietários em busca de “segurança” no processo de aluguel. Esses imóveis do “banco público de imóveis” teriam que atender a certos critérios de qualidade, para abrigar as famílias de modo “digno”. Estas famílias iriam escolher sua casa entre os imóveis disponíveis, e o Estado se responsabilizaria pelo aluguel.

Segundo o plano do nosso burocrata, o Estado teria que controlar o preço dos aluguéis, evitando os processos de especulação, como os que acontecem hoje graças ao “bolsa-aluguel”.

Se os atuais membros da Secretaria de Habitação fossem “reformadores sociais” como eles propagandeiam, seria mais ou menos nesse sentido que apontaria uma política de aluguel-social. Ou seja, um processo rigidamente controlado pelo Estado (a forma política do Capital), que não ataca as raízes dos problemas, não arranha a estrutura da propriedade privada, mas dá uma interferida de leve nas tais “leis do mercado” para minimizar um pouco o sofrimento das vítimas das “intervenções urbanas”.

É evidente que, com uma proposta dessa natureza, nosso reformista não duraria duas semanas no cargo, já que os tempos não são de capitalismo meio “domesticado”, e sim de capitalismo selvagem, e que sua proposta entraria em choque com a estratégia geral do Estado de criminalizar e exterminar parcelas pobres da população e de favorecer a qualquer custo os interesses de empresários, dos especuladores, etc.

Nem “mercado”, nem “intervencionismo” do Estado

Apesar disso, vale a pena esse esforço de imaginação sobre o “caminho” reformista, já que isso ajuda a enriquecer os caminhos radicais, e evitar desvios. Esses caminhos, que pretendemos trilhar, são os da luta direta, da autonomia popular, da destruição das formas de tutela do Estado e das empresas, do confronto à ordem existente, da tomada dos prédios e imóveis abandonados, que passariam a servir às necessidades das pessoas e não do dinheiro, da decisão coletiva e igualitária sobre a melhor maneira de organizar, construir ou reformar as habitações e o conjunto do espaço urbano, do poder popular, enfim.

No entanto, sabemos que hoje o “caminho” conservador reina absoluto; que mesmo o “caminho” reformista é utópico; e que as propostas revolucionárias esbarram em todo tipo de obstáculo, num momento em que as bandeiras da abolição da propriedade privada parecem delírios de grupos sectários. Um dos principais obstáculos é a dependência em relação ao Estado e a falta de correlação de forças, que pressionam fortemente para que os caminhos radicais se degenerem em reformismo, com as conseqüências desastrosas que conhecemos.

É para mudar esse quadro que lutamos, persistimos, sem arredar pé, como tantos que vieram antes de nós, junto com muitos que confrontam essa conjuntura terrível em que nos encontramos. E certamente como tantos que virão.  

Conjuntura: Sobre o bolsa-aluguel

“Aluguel-Social” ou “Tragédia Social”? – Parte I

Há tempos temos denunciado a farsa do chamado “aluguel-social” ou “bolsa-aluguel”, um cheque-despejo disfarçado. Mas vale a pena pensar melhor sobre isso que virou a base da “política habitacional” paulistana.

Como funciona o tal “bolsa-aluguel”?

Numa situação de despejo, em meio a uma série de ameaças, mentiras, e agressões, feitas por assistentes sociais, funcionários da Defesa Civil, policiais e outros membros do Estado contra a população pobre, em troca das suas casas é apresentado aos moradores o “bolsa-aluguel”. “É pegar ou largar”, dizem aqueles abutres.

Desesperadas, muitas pessoas acabam deixando seus tetos por um destino incerto. Perdem vários vínculos sociais, se afastam de amigos, deixam de contar com o apoio de vizinhos, tem todo o tipo de dificuldade para conseguir a transferência de escola para seus filhos, que freqüentemente acabam perdendo o ano escolar, e por ai vai.

O valor do bolsa-aluguel é baixo, geralmente 300 ou 400 reais, entregues de 6 em 6 meses na forma de um cheque de 1800 ou 2400 reais. Além disso, a notícia de que o “benefício” vai ser distribuído acaba causando duas coisas: por um lado, um aumento dos roubos na comunidade; por outro, um processo local de especulação, de modo que os preços das casas de aluguel sobem às alturas, e ninguém mais acha um canto para alugar por esse valor. E quem tem filhos sofre ainda mais, porque é quase impossível encontrar algum proprietário que aceite uma família com mais de 2 crianças. Outra coisa que os proprietários exigem são os dois ou três meses de depósito, que o tal “aluguel-social” não prevê, e a família tem que se virar para conseguir.

Apesar de haver situações em que nem isso ocorre, atualmente o procedimento “normal” do Estado é fornecer um contrato de renovação periódica do “bolsa-aluguel”, e uma promessa de inclusão da família em um programa habitacional. Mas, geralmente, nesse contrato, não se fala nem onde, nem quando serão construídas as novas moradias.

Todo mundo sabe que só na cidade de São Paulo existem milhões de pessoas nas listas de espera dos programas habitacionais, que milhares de famílias estão sendo despejadas todos os anos, e que só um punhadinho de casas está sendo construída (punhadinho que é prometido para “Deus e todo mundo”, ano após ano, como é o caso dos prédios na Mata Virgem, Divisa de Diadema). E mesmo que a família tenha a sorte de ser uma das poucas escolhidas para ocupar essas casas, teria ganho com isso uma grande dívida, e passaria anos e anos e mais anos lutando para pagá-la, parcela por parcela, até ter novamente um teto que é seu.

Nesse contexto todo de ameaças, mentiras, insegurança, isolamento, desconfiança, humilhação, é evidente que temos um cenário ideal para desgraças. Muitos entram em depressão, enlouquecem, se afundam no álcool e noutras drogas, gastam o dinheiro do “auxílio” de um jeito inconseqüente, e famílias inteiras acabam numa situação muito pior, vivendo de favor ou nas ruas.

Longe de resolver o problema da habitação, esse problema é agravado, junto com vários outros. Eis a realidade por detrás do “aluguel-social”…

Continuação da série sobre conjuntura

Classe e Periferia

A discussão é bastante difícil, mas é possível dizer que, historicamente, a esquerda teve como espaços primordiais de atuação os sindicatos e os partidos políticos. Segundo algumas análises clássicas, essas organizações podiam exercer um papel complementar: os sindicatos e movimentos sociais estariam incumbidos de travar a luta econômica, geralmente específica, e com certa dosagem de corporativismo. Já os partidos unificariam essas lutas e a politizariam – superando o âmbito da luta meramente econômica e setorial – de modo a concentrar as condições para a disputa do próprio Estado, e para desencadear os processos revolucionários. Desse ponto de vista mais tradicional, geralmente a periferia e a população que nela reside foi deixada em segundo plano, ou foi tida como uma força conservadora, sendo rotulada “lúmpen-proletariado” (algo como “proletariado-esfarrapado”, ou a “raspa do tacho” da classe trabalhadora).

Nesse momento talvez seja saudável e mesmo necessário rever tais posicionamentos e estratégias. Em primeiro lugar, é preciso pensar a classe, e isso não pode ser feito de maneira simplista e dogmática; a classe revolucionária não é algo dado, fixo, mas algo que se constitui, e essa constituição envolve o espaço que ela ocupa na produção, mas também dimensões simbólicas, culturais, e sua prática política real. Uma dimensão essencial da classe revolucionária é a consciência revolucionária, relacionada à compreensão de como funciona a acumulação capitalista, à compreensão dos mecanismos de exploração e dominação, à compreensão do caráter alienante dessa sociedade, e à necessidade de estratégias para combatê-la, com base na conjuntura do momento. Portanto a classe revolucionária não é, ela se forma – ou deixa de se formar – a cada instante, assumindo diferentes características de acordo com o contexto; o mesmo se pode dizer das organizações da classe.

A tendência do capital é sempre promover a exploração sem peias, e sob certas condições ele consegue eliminar os limites impostos pela legislação, aumentando a jornada de trabalho, acabando com direitos trabalhistas, com a estabilidade de emprego, etc. Tais mudanças têm importantes impactos na constituição da própria subjetividade dos trabalhadores, e evidentemente para a sua organização enquanto classe, mas nem por isso faz com que eles deixem de ser trabalhadores (na ativa de modo cada vez mais diverso ou constituindo o exército industrial de reserva), e nem faz desaparecer qualquer possibilidade de organização e de formação de consciência de classe.

Enquanto o espaço da produção mantém sua importância como espaço de organização da classe, a importância da dimensão territorial aumenta, e se faz notar o dinamismo político potencial que reside nas periferias das grandes cidades. Não é possível estabelecer aqui nenhuma idealização: nas periferias o espaço está segmentado por uma série de forças conservadoras e regressivas; nas periferias atuam e incidem todas as pressões que levam ao embrutecimento, ao isolamento, ao individualismo; nas periferias também são cultivadas as idéias burguesas de defesa da propriedade, do consumismo, do sonho por ascensão social; nas periferias a população super-explorada é estimulada o tempo todo – pela novela, pela propaganda, pelo programa de rádio, pelos políticos, pelas igrejas -, a acreditar em falsos messias, a acreditar que a felicidade é a capacidade de comprar o celular mais moderno, ou a se conformar, a se resignar. No entanto, nas periferias também existem elementos que, sob certas circunstâncias, podem dar origem à solidariedade, à ajuda mútua, à revolta, que são base para processos qualificados de organização e de luta.

A história de muitos dos moradores da periferia é uma história de luta e de resistência; freqüentemente as condições materiais exigem que as pessoas se ajudem, e as precariedades e violências a que estão submetidas as empurram para processos de organização popular. Além disso, o rebaixamento das condições de subsistência atinge tal grau que as pessoas, trabalhando de maneira esporádica, conseguem garantir a sobrevivência e ainda ter tempo para participar de reuniões, de lutas, de processos formativos, etc.

A construção organizativa de base territorial necessita o desenvolvimento de processos orgânicos no interior das comunidades, embasados na dinâmica e nas especificidades de cada lugar, e levando em consideração o cotidiano, as trajetórias pessoais e coletivas, o imaginário, os laços de identidade de seus moradores. É lidando com a rotina, as carências, os medos, os anseios das pessoas e as características do lugar que se pode fomentar lutas e outras rupturas que se fazem necessárias para quebrar com a inércia conformista que impera por todo o lado, e para converter os laços territoriais em identidade e consciência de classe. O caráter orgânico desse processo faz com que a dimensão da formação política seja estratégica, de modo a fazer com que os processos de luta e de organização sejam levados adiante pelas próprias referências das comunidades. Em nosso caso, a maioria das referências são mulheres adultas, mas a tarefa também é encampada por pessoas de todas as idades, independentemente do gênero, bem como grupos e coletivos locais.

Uma atuação dessa natureza não pode assumir caráter “corporativo”, e ainda que se concentre em algumas estratégias e táticas básicas de intervenção, deve possibilitar a criação de respostas (e mesmo distintas respostas) a diversos tipos de reivindicação econômica, que, por estarem coladas a processos formativos, devem ser sempre e cada vez mais politizadas.

A luta da Rede de Comunidades do Extremo Sul se faz na construção de uma organização popular autônoma e combativa, que fortaleça a luta da classe revolucionária nos territórios periféricos.